Página Principal de Nilma Lacerda - escritora, pesquisadora e professora

Sobre a Obra

Confirmação do talento

Ao terminarem o duro trabalho na Comissão Julgadora do Prêmio Rio de Literatura de 1986, os ansiosos críticos que a compunham se depararam com um nome que "nada lhes dizia, um nome de uma anônima: noutros termos, o concurso se abria para uma revelação". Assim se expressa Antonio Houaiss, um desses jurados, na apresentação de Manual de tapeçaria, de Nilma Gonçalves Lacerda, lançado pela Philobiblion em co-edição com a Fundação Rio em 1986.

Na mesma época a Record publicava outro texto da autora, na linha juvenil, também ganhador de um concurso, o "Alfredo Machado Quintella", da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil, intitulado Dois passos pássaros. E o voo arcanjo. Por acaso naquela ocasião eu era membro do júri e a sensação expressa por Houaiss é em tudo semelhante a nossa, a de frente a uma legítima vocação de escritor, diante de uma obra de arte.

Há dias recebi da Editora Miguilim o terceiro livro de Nilma, Viver é feito à mão/ Viver é risco em vermelho, do qual acompanhei há tempos a elaboração e a luta pela publicação. Novamente, embora conhecendo o texto, sinto-me envolvida por essa dupla histórica de jovens que enfrentam o mundo com bravura para ter o simples direito de construir, a seu modo, a prórpia existência.

De início o livro propõem, já por seu aspecto gráfico, uma atitude de leitura consciente: a primeira narrativa vai até o meio do livro e a segunda, ao invés de aí ter seu início, começa na última página do volume, tendo o leitor a inusitada sensação de ler "de trás para diante". Essa leitura leva a um distanciamento crítico que tem tudo a ver com o tema exposto e, portanto, faz parte integrante da própria obra.

Os textos correspondem às duas faces da realidade brasileira ou ainda, como diz Antonio Houaiss, "às duas águas, a água da fonte da vida e água da fonte da beleza".

As protagonistas de cada narrativa são meninas, uma de classe média, a outra moradora da favela da Maré, mas antes de tudo duas jovens cheias de esperança e frustradas ambas, pela incompreensão da família, a primeira e pela situação social, a segunda. A uni-las, a fantasia, a imaginação que lhes permite, a ambas construírem seus mundos à parte, porões nos quais guardam seus segredos mais íntimos e dialogam com figuras mágicas, nascidas do profundo desejo de partilhar dúvidas e certezas, alimentando em ambas o sonho de serem escritoras.

Todas essas páginas, em que temas sérios se alternam à graça de experiências infantis, crescem pela força narrativa que as ilumina. E a língua viva, recriada pelo talento de uma escritora que sabe, como poucos, expor a banda podre da nossa sociedade ou ainda, no dizer de Houaiss, "o que há de mais abjeto em nossa condição humano-brasílica" e, como num ato de amor, resgatá-la e trasformá-la numa vigorosa mensagem de esperança.


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Laura Sandroni
Rio de Janeiro: O Globo, Rio Show
22 de dezembro de 1989

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